Marinho III

*

Não ouça o triste canto
que soa longe

Que o teu medo
desconheça
tal infortúnio

Não aceita a ilusão
que se oferece

Nas falsas brumas
desse desaguar
noturno.

Tesouros de Sal e nácar,
ouro e olhos

Engolidos
em mortas ondas
- frio e calcário -

Levados a profundos
reinos naufragados

Que ecoam
num madrugar
intempestivo

Não ouça o triste canto
que pressagia

"Guarda o teu medo
como à vida
O mar é a morte
do infinito."



(Jessiely Soares)

Marinho II






Não cantes
ode
As marés

- Mutáveis
monstruosas
Incansáveis -

Nem chores
A morte
De suas vagas

Perdida
Em bravas
Naus incontáveis

Não desenhes
Tua vida
Nas areias

Nem deixes
pegadas
Pelos ventos

Guarde das
espumas
Tuas velas

Poupe
Do medo
Teus rebentos

Só permite
Que a brisa
Do destino

Suprema
hospedeira
Dessas mágoas

Erice o teu
corpo
Em desatino

E te faça
soberana
Nessas águas

Que as ondas
adormeçam
Em teus cabelos

Que vistam
Teu corpo nu
As finas algas.


(Jessiely Soares)

Marinho





Quebram na praia
Desgostos da Deusa

Em brumas de sal
jogadas na areia

E deixam o rastro
murmúrio das conchas

E mortes marinhas
de vidas alheias.

O medo nas águas
espíritos pairam

Ecoam brados
na névoa prateada

Dos assombros da noite
os choros calaram

Nos desgostos da Deusa
que quebram na praia




(Jessiely Soares)


Fotografia de: Bruno Abreu
~> http://olhares.aeiou.pt/galerias/detalhe_foto.php?tc=1&id=1438357

Último pedido



*

Enterrem minha alma
no espaço indivisível
entre a cruz e a espada.

E sobre ela
lancem olhares
e críticas perversas

Mas não deixem de matá-la

Enterrem meus passos
na curva do caminho
entre o vento do destino
e a voracidade do rio...

Mas não deixem
meu passado
exposto ao relento
no impetuoso frio.

Levem em sacos vazios
as últimas palavras
de alguém que morre
sem conseguir ver
o tão sonhado pôr do Sol

Rabisquem em pedaços de papel
o poema que nunca foi escrito

Inenarrável!

Pedaços de um sonho qualquer
esquecido...

Mas, não deixem que morram
meus mundos
nem meu amor-lírico

Enterrem meu corpo
antes de enterrarem meu poema

Pois eu não sobreviveria
a morte de um filho.



(Jessiely Soares)

Bem que eu queria...


Queria ser por um dia
artesanato qualquer
pelas ruas de Olinda.

Ser talhada em madeira
pintada com a cor da rua
e do céu que se escancara.

Queria ser exibida
aos gritos
pelo vendedor
no meio dia
nas ladeiras
íngremes

E no meio de qualquer troça
que você notasse
e por qualquer preço
me levasse pra colorir
seu quarto

Mas que toda noite me visse.

(Jessiely Soares)


Foto de Felipe Ferreira -
www.flickr.com/photos/ff_fotografia/2040962840/in/photostream/